Essa política ruim pode dar bom
- Ronayre Nunes
- 19 de out. de 2016
- 4 min de leitura

Você nem precisa olhar de tão perto assim. Na verdade, se você estiver com os olhos vedados poderá sentir: a política está tomando formas catastróficas. O mais preocupante é que, como uma pandemia, o fenômeno cresce, resultando em poucos países no mundo que têm uma população satisfeita com suas atividades políticas.
Mas o que isso significa? O fim da democracia? Na verdade, talvez possa ser o melhor que já nos aconteceu!
O assustador contexto norte-americano
“E quando você é famoso, elas deixam você fazer qualquer coisa. Pegá-las da maneira como quiser. Pegá-las pela xoxota. Você pode fazer qualquer coisa.” Foi dessa forma que o candidato republicano a presidência da maior potência mundial, Donald J. Trump, se referiu à forma como ele conquista as mulheres.
Não sendo um fato inédito, o áudio vazado de Trump soma-se a outras ofensas que o nova-iorquino constrói para se promover. E, aparentemente, a estratégia está dando certo. Trump está com 38% das intenções de voto – segundo pesquisa Reuters/Ipsos, com quase 2 mil representantes dos 50 estados no último dia 14 –, em um país em que o voto não é obrigatório.
Do lado democrata, a candidata Hilary Clinton não é vista como a salvadora da nação, muito pelo contrário. Ela enfrentou investigações federais pelo uso ilegal de e-mail privado em assuntos de estratégia nacional. Isso, além das acusações de que o governo Clinton – com Bill na presidência e a própria Hilary no senado – foi responsável por legalizar ações que permitiram bancos lucrarem bilhões.
Dessa forma, mesmo a democrata estando à frente na corrida pela Casa Branca – com 44 pontos nas intenções de votos por prováveis eleitores –, muitos julgam que sua vitória seria apenas a vitória do “menos pior”. Sendo que ela ainda se encaixa perfeitamente na categoria de “política profissional”, que há muito tempo enfrenta rejeição pela população norte-americana.
No nosso próprio quintal
Se os – não tão – amigos norte-americanos estão enfrentando um período político obscuro, nossa terra tupiniquim não oferece muitas luzes. Falar de política como desonesta e disfuncional no Brasil se tornou quase um pleonasmo, porém, essa situação pode ter dado na telha de milhões de brasileiros.
O ano de 2016 ficou marcado por uma verdadeira desconstrução política. Depois de um histórico –segundo – processo de impedimento, a renúncia do presidente da Câmara dos Deputados após sucessíveis denúncias de corrupção e notícias de montantes inimagináveis de dinheiro literalmente roubado dos cofres públicos, chegou a hora de a população ir às urnas.
As eleições municipais realizadas em 2 de outubro por todo o país deram um grande recado à classe política: as pessoas estão começando a lavar as mãos. Dados mostram que grande parte do eleitorado não compareceu para votar nas principais cidades brasileiras. Em São Paulo – que elegeu o empresário João Dória em primeiro turno –votos nulos, brancos ou abstenções somaram quase 40% do eleitorado (38,8%). No Rio de Janeiro, 38,1% das pessoas se negaram a escolher um candidato para comandar a cidade, que teve a decisão adiada para o segundo turno. Esse foi o maior índice de abstenção da cidade desde que as urnas eletrônicas foram implantadas há 20 anos.
E agora? Como continuar democrático?
Quando a política se veste com aspectos tão negativos, não é surpresa que exista certo repúdio por parte da população refletida nas urnas (e em posts no Facebook). Contudo, essa resposta natural não pode se tornar regra. O momento não é para largar a política, e sim refazê-la.
O fato de o exercício político estar tão denegrido pode ser a única forma de salvar nossa democracia.
A verdade é que todo o sistema de governo eleito para um mandato representativo está muito vulnerável a um poder que cresceu cada vez mais nos últimos anos: o dinheiro. A corrupção funciona, essencialmente, através do combustível que as inferências monetárias proporcionam. E nessa confusão de política, público e privado, não existem mais fundamentos ou explicação para a manutenção de um sistema que pretere quem deveria proteger.
Mas e aí, vamos acabar com a política? Não, naturalmente não. Vamos simplesmente acabar com o que não está mais funcionando. Se você não está feliz com a situação governamental do país ou da sua cidade, talvez a solução seja fazer você mesmo.
Eu? Como assim?
A solução para esta crise política mundial está no poder que cada um tem em não deixar sua vida na mão de políticos profissionais. A tecnologia, especialmente a internet, proporciona uma nova forma de participação política. Por meio dela podemos decidir tudo na nossa cidade em tempo real, ponderando ações e mudando o que está errado.
Exemplos começam a aparecer por todo o mundo. Tentativa não é o que falta.
Na Finlândia, o parlamento é obrigado a discutir toda petição que consiga pelo menos 50 mil assinaturas – imagina o que isso significaria no Brasil. Na Inglaterra, os sites SeeClickFix e FixMyStreet funcionam como portais que permitem à população pautar o que o governo faz, e não o tradicional contrário. Se você quer que algo mude, basta preencher mensagem e o governo encaminhará sua reclamação a uma instituição competente. Já na Alemanha, o partido Piratempartei Deutschland (partido pirata) – que tem mais de 40 assentos em assembleias estaduais – é essencialmente bancado por crowdfunding, serviço de financiamento online.
Já está mais do que claro que a participação politica via internet é mais do que uma “democracia de sofá”. Podemos fazer mais com nossas próprias mãos, ou cliques.
Naturalmente, é impossível transferir toda ação política para as pessoas na internet – até porque aqui tal recurso é limitado, bem, na verdade, limitadíssimo. O importante é a possibilidade de se pensar mais poder para que cada indivíduo possa fazer mais pela sua cidade, além dos deputados eleitos.
Toda essa crise já deixou obvio que mudanças precisam acontecer. Afinal, deixar as decisões nas mãos de políticos profissionais – seja na terra da Disney ou em quintal tupiniquim – está se mostrando cada vez mais inviável.
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