Armas de fogo matam mais homens do interior, jovens e negros, revela Mapa da Violência
- Ronayre Nunes
- 29 de set. de 2016
- 3 min de leitura
Pesquisa realizada em parceria com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) mostra os principais números de homicídios no país
Alice e Miguel. Esses nomes são os mais populares atualmente no país, representam a grande maioria dos brasileiros. Mesmo simbólicos, cada nome tem uma característica que faz os indivíduos serem mais ou menos vulneráveis a homicídios por armas de fogo (HAF) no Brasil. Miguel, por exemplo, teria mais chances de morrer vítima deste tipo de violência por ser homem. Suas chances seriam maiores ainda se ele fosse jovem, negro e morador de municípios interioranos. Alice, por sua vez, teria 5,6% de ser vítima de HAF.
O retrato de homicídios por arma de fogo divulgado no último dia 25 de julho no Mapa da Violência 2016 pelo pesquisador Julio Waselfisz, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), traz diversos dados sobre a fatalidade das armas de fogo em todo o país. Os números levam em consideração o último levantamento do Subsistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS) de 2014.
Fluxo de mortes
Um dado apontado pelo Mapa da Violência 2016 mostra que existe uma migração dos HAFs das grandes metrópoles para os pequenos municípios. A doutora em Antropologia Haydée Caruso, 41 anos, explica que esse fenômeno já é conhecido no campo das ciências sociais e que inclusive tem uma denominação particular: “Novo cangaço”.
No Distrito Federal, os homicídios por arma de fogo tiveram um crescimento de 39,3%. Porém, mesmo essa porcentagem tendo aumentado no DF, a capital federal caiu várias posições em relação comparativa a outras capitais, de quinto no ranking de homicídios por arma de fogo em 2000 para 12° em 2014. Isso porque outras cidades tiveram um aumento exponencial no índice de HAF, como Alagoas, que saiu da nona posição para o amargo primeiro lugar, simbolizando a tendência de migração dos homicídios por arma de fogo.
Ainda segundo Caruso, uma possível explicação para esses dados retornam ao fato de que municípios de pequeno e médio porte têm um efetivo policial pequeno, que deixa as cidades mais vulneráveis à violência. Caruso defende que a solução desse problema não pode ser apenas responsabilidade do município: “Essa é uma questão que merece investimento do Estado, com articulação entre municípios e governo federal”.
O estudante Kaic Ribeiro, 22 anos, do 9° semestre de Serviço Social, entende o fluxo de violência para o interior como explicável: “Eu sou de cidade de interior. Muitas vezes essa justiça pelas próprias mãos é muito mais utilizada. E ter arma de fogo nesses lugares é mais fácil porque não há tanta fiscalização”.
Perfil de mortes
Em uma análise de perfil sociológico, o Mapa da Violência 2016 mostrou também as características de identidade das vítimas de homicídios por arma de fogo. Segundo o documento, as maiores vítimas de HAF são de sexo masculino. A média nacional é de 94,4 % de homens padecentes desse tipo de morte. No DF o número é de 94,5%.
Em relação à idade, a taxa de homicídios por arma de fogo (por 100 mil habitantes) aponta que 67,4% dos mortos por HAF têm 20 anos. No DF, o número de mortes por HAF entre jovens foi de 445 vítimas, mais de uma por dia em 2014. A média mais vulnerável é entre 15 e 29 anos. No que se refere à análise de cor e raça, o documento deixa claro o quanto a dificuldade por dados deixou o estudo defasado em relação a comparações temporais, isso tendo em vista que só a partir de 2002 as mortes no país – em relação a HAF – passaram a ser identificadas pelo sistema SIM/MS no que diz respeito a cor e raça.
Na média nacional, o número de morte por HAF entre a população negra sofreu um aumento de 46,9% de 2003 até 2014 (respectivamente de 20.291 para 29.813). No DF esse número subiu de 539 para 601. Apenas em Tocantins, Acre e Paraná as vítimas de homicídios por arma de fogo são de maioria branca.
Já entre a população branca, o número sofreu um decréscimo de 26,1% nas mortes de homicídio por arma de fogo entre 2003 e 2014 na média nacional (de 13.224 para 9.766, respectivamente). No DF o número subiu de 91 para 96 mortes.
Segundo Claudio Dantas, mestre em Sociologia da Universidade de Brasília, os números servem de alerta às forças de Segurança: “É importante para dar atenção pra esse problema e principalmente para mostrar quem está morrendo”. Dantas defende também que o perfil de mortes por HAF tem base na grande desigualdade social vivida pelos brasileiros: “Sociologicamente, (os dados) escancaram a desigualdade no Brasil”, frisa. “São dados gritantes que mostram o retrato da violência, principalmente no que concerne o racismo.”
A antropóloga Haydée Caruso completa lembrando que a pesquisa tem relevância, principalmente porque servem como uma “bússola” para guiar as ações do Estado em relação à segurança pública.
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