Crianças viram deputados por um dia

Wellington Hanna
3 de out. de 2016
3 min de leitura

Centenas de crianças da rede pública do DF participaram da Plenarinha, projeto destinado a entender o que os pequenos querem para a capital do país|

Assim como em todos os dias em que há sessões na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), o Hino Nacional tocou no plenário na sexta-feira (23/9). Só que, em vez da versão clássica tocada pela banda do Exército brasileiro, os palhaços Patati e Patatá foram os responsáveis pela execução de um dos mais importantes símbolos nacionais. Tudo porque a Casa de Leis da capital foi ocupada por estudantes, de 2 a 6 anos, das escolas públicas do DF. É que nessa semana houve as exposições e debates da Plenarinha, projeto desenvolvido pela Secretaria de Educação (SEEDF) com o objetivo de dar voz às crianças.

Com a mão direita no peito, os jovens ouviram respeitosamente a execução do hino. “É que hoje sou um deputado”, explicou João Pedro, 6 anos, de São Sebastião. E o sentimento do pequeno menino do Entorno reflete exatamente o espírito da Plenarinha. “O projeto é realizado nos moldes de uma plenária, mas trabalhamos apenas com projetos de educação. Discutiremos também os direitos das crianças e a qualidade de ensino durante as sessões", disse o presidente em exercício da CLDF, Juarezão (PSB).

O título da Plenarinha deste ano era “A cidade e o campo que queremos”. Tema aprovado pelas crianças que abarrotaram o salão de exposições da Câmara com desenhos, maquetes e até vídeos. A maioria das obras de arte dos pequenos aponta para a ausência de parquinhos e locais de diversão. Já outras mostram o porquê da urgência para se reformular algumas políticas públicas de Brasília. Uma criança chegou a dizer que a cidade ideal deveria ter “cemitérios”, já outra disse que ela queria que o local onde ela mora tivesse “flores e comida”.

Depois de visitar o salão com as obras das demais crianças, os alunos da rede pública têm um espaço garantido para apresentar aquilo que desejam para a cidade ideal. Depois, os pequenos debatem e votam nos projetos de leis feitos por eles mesmos. “Não falei que hoje eu era um distrital”, falou aos risos o jovem João Pedro, citado no início da matéria.

“Ao trazer os alunos para conhecer outros trabalhos, eles passam a ter noção da realidade de outras crianças também. E a gente percebe que atingiu o objetivo. Creio que esse é um conhecimento que eles vão levar para a vida”, avaliou Elizelene Alves, do Centro de Educação da Primeira Infância (CEPI) Pequizeiro, em Planaltina. Já a diretora de Educação Infantil da Secretaria de Educação do DF, Michelle Abreu, também se mostrou satisfeita com o resultado da Plenarinha. “Ver o trabalho das nossas escolas assim não tem preço. A gente constata que tem muita qualidade pedagógica, que os nossos professores são muito comprometidos e, mais do que isso, que as crianças são muito participativas nesse processo.” A expectativa é que ainda nesta semana um dossiê contendo as principais reivindicações das crianças seja enviado ao governador de Brasília, Rodrigo Rollemberg.

Ausências sentidas

Muito elogiado pelos deputados distritais durante a abertura da Plenarinha, o salão onde estavam as obras e reivindicações das crianças praticamente não foi visitado por nenhum parlamentar, segundo professores da rede pública ouvidos pelo Campus. “Acho que o ato [que os deputados estão fazendo] de enaltecer o trabalho dos nossos alunos é só político. A maioria dos que fizeram discursos inflamados no plenário ao nosso favor nem sequer pisaram aqui. Se eles não virem, não vão saber o que as crianças precisam”, desabafa um dos educadores que organiza o projeto e que não quis se identificar.

“Acho que seria legal se eles viessem aqui e tirassem pelo menos uma foto com os projetos. Nem que seja só pra gente ganhar espaço na mídia”, disse o professor Márcio Campos. Apesar de lamentar a ausência dos deputados, o professor fez um balanço positivo. “Foi um projeto que começou há meses e que terminou hoje. As crianças aprenderam muito com isto daqui”, ponderou.

Uma das responsáveis pelo projeto, a deputada distrital Celina Leão, que visitou a exposição, falou ao Campus sobre a importância de a CLDF receber a pureza das crianças em um momento de escândalos de corrupção que atingem a Casa. Celina foi afastada da presidência da Câmara em agosto por suspeita de pagar propinas a deputados por meio de uma emenda parlamentar. Ela nega todas as acusações e se diz vítima de um ataque político.